Resumo
A Associação das Catadoras de Mangaba de Indiaroba (ASCAMAI), do estado de Sergipe, organizou ação de mobilização junto aos poderes públicos, especialmente do estado, no sentido de contribuir para a elaboração de políticas públicas específicas, como assegurar políticas de geração de renda e proteção contra o desemprego; e ações de fortalecimento da identidade cultural e organização comunitárias.
A ASCAMAI é composta por mulheres extrativistas tradicionais da mangaba, o fruto da mangabeira (Hancornia speciosa Gomes), considerada espécie símbolo do estado de Sergipe. A mangabeira é encontrada em quase todo o Brasil e pode ser usada, por exemplo, na produção de sucos, bolos, biscoitos, geleias, polpas e sorvetes. Em Sergipe, as áreas naturais de mangabeiras estão situadas ao longo do litoral do estado, e garantem subsistência de diversas comunidades.
Apesar do estado de Sergipe reconhecer as Catadoras de Mangaba como grupo culturalmente diferenciado e que deve ser protegido, através da lei 7.082/10, diversos conflitos as atingem, incluindo especulação imobiliária e empreendimentos turísticos de grande porte, desmatamento de áreas naturais da mangabeira, restrições de acesso a áreas extrativistas, monoculturas (eucalipto e cana de açúcar) e ameaças à vida. Um cenário revelado em versos nos trechos do hino das Catadoras de Mangaba: “Cadê nossas mangabas? O homem cercou! E o verde do mato, o fogo queimou! Olhando umas para as outras com uma grande aflição, Vamos pedir ao governo uma grande solução!”.
Nesta ação, delimitaram como objetivo a inclusão das Catadoras de Mangaba no “Projeto Mão Amiga” do governo do estado de Sergipe, que envolve medidas para mitigar os efeitos do desemprego causados na entressafra da mangaba, como ocorre com trabalhadores/as de outras lavouras. Assim, para alcançar este objetivo, a ASCAMAI realizou uma série de estratégias e atividades, como: mobilização de parceiros e partes interessadas; reuniões preparatórias com as mulheres Catadoras de Mangaba; levantamentos de informações e estudos preliminares de subsídio sobre situação das Catadoras de Mangabas no período da entressafra e sobre quantidade de mangabas produzidas no estado; formação de grupos para estabelecer diálogo com o poder público.
Como resultado da ação das Catadoras de Mangaba, um parlamentar apresentou a Indicação nº 384/2019 no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe para inclusão das Catadoras no “Projeto Mão Amiga”, propondo alteração na Lei 6.697/2009. As ações também resultaram em maior mobilização das mulheres extrativistas que compõem a ASCAMAI e demais comunidades mangabeiras em Sergipe, bem como maior qualificação para acompanharem ações de incidência.
Análise de problemas
São muitos os problemas e conflitos territoriais que atingem a prática do extrativismo de Catadoras de Mangaba, assim como de outros povos e comunidades tradicionais. A especulação imobiliária, a monocultura e implantação de empreendimentos turísticos, especialmente em áreas do litoral, impactam áreas naturais da mangabeira, como no caso do estado de Sergipe, Nordeste do Brasil. Proprietários de terras vêm impondo maior restrição de acesso a essas áreas e aos frutos da mangabeira, inclusive com ameaças à vida das extrativistas, afetando as formas tradicionais de subsistência e de soberania e segurança alimentar. Além disso, as Catadoras também encontram dificuldades no reconhecimento das suas práticas extrativistas enquanto tradicionais.
A sustentabilidade da produção da mangaba em Sergipe também tem sido comprometida nos últimos anos. O mapeamento produzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), de 2017, demonstrou redução de 10.456 ha (29,6%) das áreas naturais de mangabeiras nos municípios de Barra dos Coqueiros, Estância, Indiaroba, Itaporanga d´Ajuda, Japaratuba, Japoatã, Pacatuba, Pirambu e Santa Luzia do Itanhy, no período de 2010 a 2016. Assim, a posição de Sergipe como maior produtor de mangaba no Brasil foi superada pela Paraíba. Com base no Panorama do Extrativismo Vegetal e da Silvicultura (PEVS), publicado pelo IBGE (2007-2016), em 2007 foram extraídas 436 toneladas do produto, e em 2016 reduzido para 190 toneladas.
No entanto, segundo outras fontes, esse número pode estar subestimado, como demonstra o estudo da pesquisadora Debora Oliveira da Universidade Federal de Sergipe (UFS), concluído em 2019, que traz dados sobre colheitas de 100 a 220 quilos de mangabas por mês, o que superaria os dados do PEVS. Dessa forma, demonstra-se que não há um diagnóstico mais profundo do real cenário da produção de mangaba no estado de Sergipe, que envolva informações sobre os atores envolvidos, a comercialização, áreas, dentre outras informações importantes que podem influenciar as políticas públicas sobre o tema, impactando diretamente a vida das comunidades e mulheres extrativistas.
Nesse processo, alguns fatores dificultam a resolução dos problemas, como a ausência de vontade política dos governos, divergências de interesses entre as partes envolvidas (governos, empresários, latifundiários, comunidades tradicionais); ausência ou ineficiência na implementação de programas e políticas públicas. Isso gera impactos como a perda da identidade cultural nas comunidades extrativistas; ampliação de desigualdades sociais; destruição da Mata Atlântica e do bioma Restinga por atividades predatórias.
Os desafios persistem mesmo com legislações protetivas, como a lei estadual nº 7.082/2010, de Sergipe, que reconhece as Catadoras de Mangaba como grupo culturalmente diferenciado, que devem ser protegidas segundo as suas formas próprias de organização social, seus territórios e recursos naturais; bem como, no âmbito federal, da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto 6.040/2007).
Esse cenário é ainda mais preocupante com os recentes retrocessos no campo ambiental no Brasil, como a intensa flexibilização da legislação ambiental e acirramento de conflitos envolvendo territórios tradicionais.
Análise de solução
Para enfrentamentos dos problemas, são necessárias várias medidas, tais como, políticas de demarcação territorial e livre acesso das Catadoras de Mangaba a áreas extrativistas, inclusive em áreas privadas; políticas que incentivem o cultivo e a proteção das mangabeiras nativas; ações de articulação interinstitucional; atividades de incidência e intervenção junto aos poderes públicos; políticas de proteção contra o desemprego; políticas de incentivo à cadeia produtiva da mangaba; recuperação de áreas degradadas; pesquisas e estudos mais aprofundados sobre o extrativismo da mangaba; processos educativos coletivos para defesa de direitos e fortalecimento identitário e de pertencimento comunitário.
A ação desenvolvida pela ASCAMAI se dirigiu principalmente à incidência junto aos poderes públicos, no sentido de assegurar políticas de proteção contra o desemprego na entressafra da mangaba, realizada especialmente junto à Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe.
Análise das partes interessadas
Quais partes interessadas (ONGs, governo, setor privado) você identificou?
As partes interessadas aliadas são em geral movimentos sociais, organizações e redes da sociedade civil, do movimento popular, entidades do setor público, sendo que alguns desses grupos envolveram-se de forma direta na ação, enquanto outros são aliados potenciais da causa, como veremos:
- Movimento das Catadoras de Mangaba (MCM) de Sergipe, Comunidades Tradicionais extrativistas de Sergipe, Pequenos/as Produtores/as locais, grupos parceiros que colaboraram em atividades.
- Parlamentares vinculados e sensíveis às causas relacionadas à produção da mangaba no estado e proteção da prática extrativista pelas Catadoras de Mangaba, mobilizados no sentido de propor políticas de geração de renda e mitigação de efeitos do desemprego na entressafra.
- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária / Embrapa Tabuleiros Costeiros (Aracaju, SE), que elaborou o “Mapa do Extrativismo da Mangaba em Sergipe: situação atual e perspectivas”, em parceria com a Embrapa Amazônia Oriental (Belém-PA); e tem colaborado em ações que se relacionam à defesa das pautas das Catadoras de Mangabas.
- Universidade Federal do Pará, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra-SE), Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro) e o Movimento das Catadoras de Mangaba MCM, além de lideranças locais, agricultores/as, agentes de saúde e comerciantes, apoiaram na elaboração do referido Mapa.
- Universidade Federal de Sergipe, que tem desenvolvido estudos e pesquisas relacionadas à cadeia produtiva da mangaba e às ameaças de dinâmicas socioeconômicas e ambientais.
- Ministério Público Federal, sensível para o tema e discutindo alternativas de ações públicas concretas para tentar frear a redução de mangaba no estado, inclusive oficiando a Superintendência do Patrimônio da União para que indique as áreas federais no município.
- Rede Solidária de Mulheres de Sergipe, parceira em atividades de produção, formação e comercialização desenvolvidas pela ASCAMAI.
- Organizações da sociedade civil, movimentos sociais, conselhos e redes que atuam em defesa do meio ambiente e no campo da justiça socioambiental, identificados como potenciais aliados por serem partes sensibilizadas para mudanças positivas nas condições de atuação da sociedade civil.
- Alguns setores dos poderes públicos no âmbito municipal e estadual, em que são identificadas possibilidades de avançar no diálogo sobre questões pontuais.
Quais partes interessadas você identificou como aliadas e como você as mobilizou?
- Alguns parlamentares que não têm informações suficientes sobre a importância das práticas extrativistas das Catadoras de Mangabas e suas pautas, mobilizados através de contatos, divulgação de documentos e reuniões.
- Algumas mulheres extrativistas Catadoras de Mangaba que não têm informações suficientes sobre conteúdos da produção da mangaba no estado e cadeia produtiva, práticas extrativistas tradicionais e agroecológicas, associativismo.
- Consumidores/as de mangaba, sem informação suficiente sobre o processo produtivo da mangaba através de práticas extrativistas tradicionais.
Quais partes interessadas você identificou como oponentes e por que elas se opuseram?
- Governo Federal, que não reconhece como prioridade as causas das comunidades tradicionais e demarcação de territórios extrativistas.
- Setores de Prefeituras Municipais e Governo Estadual, que, mesmo com alguns espaços de diálogo e avanços pontuais, não priorizam ações estruturantes.
- Proprietários de terra que restringem o acesso das Catadoras de Mangaba, não tendo interesse no avanço de políticas específicas.
- Alguns empresários responsáveis por práticas de desmatamento para expansão imobiliária e turismo desordenado, bem como outros usos em áreas naturais da mangaba, substituindo e impactando a vegetação nativa.
Como você envolveu seus beneficiários na análise das partes interessadas?
As mulheres Catadoras de Mangaba foram envolvidas no processo de realização das atividades, participando da mobilização de organizações interessadas e aliadas; nas ações de planejamento e organização; e participando das reuniões e espaços de incidência junto aos poderes públicos.
Breve descrição da organização que implementou a ação/campanha
A Associação das Catadoras de Mangaba de Indiaroba (ASCAMAI) é uma organização sem fins lucrativos composta por mulheres extrativistas da mangaba no estado de Sergipe. Foi criada em 2009, com o objetivo de organizar coletivamente as mulheres extrativistas tradicionais da mangaba no município de Indiaroba para, através da organização coletiva, produzir e conservar essa cultura tradicional com práticas agroecológicas sustentáveis, em respeito ao meio ambiente, promovendo o desenvolvimento socioeconômico e gerando renda. No estado de Sergipe, atua em comunidades de sete municípios onde se localizam as extrativistas da mangaba e em duas áreas urbanas nos municípios de Carmópolis e Aracaju. A ASCAMAI faz parte do Movimento das Catadoras de Mangaba (MCM) de Sergipe, e um dos marcos das origens do movimento foi a realização do I Encontro Estadual de Catadoras de Mangaba, em 2007, quando foi criado o MCM.
A ASCAMAI tem entre suas principais pautas o reconhecimento da identidade tradicional; acesso livre a áreas de extrativismo; acesso e criação de reserva extrativista; mapeamento fundiário do território; políticas de geração de renda e de soberania e segurança alimentar e nutricional. Realiza diversas ações de formação, incidência, melhoria de processos de produção, beneficiamento e comercialização. As dimensões de gênero e igualdade racial sao importantes em seu trabalho, considerando que a maioria das mulheres associadas são mulheres negras, atingidas por desigualdades sociais, raciais e de gênero, insegurança alimentar, desemprego, falta de acesso a espaços de produção.
Dentre as conquistas alcançadas, destacam-se o reconhecimento das Catadoras de Mangaba como grupo culturalmente diferenciado, através da lei estadual nº 7.082/2010, e que devem ser protegidas segundo as suas formas próprias de organização social, seus territórios e recursos naturais; denúncias junto a ministérios público federal e estadual com assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta; inclusão de produção das Catadoras de Mangaba para oferta da merenda escolar em municípios sergipanos, dentro do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Atualmente, a ASCAMAI se articula em diversas redes e fóruns, tais como Rede Solidária de Mulheres de Sergipe, Articulação Nacional de Agrorecologia e espaços de organização de povos e comunidades tradicionais, na esferas estadual e nacional.
Action period
Julho a setembro de 2019
Objetivos
1. Contribuir para a inclusão das Catadoras de Mangaba no “Projeto Mão Amiga” do Governo do Estado de Sergipe (instituído pela Lei 6.697/2009), para mitigar os efeitos do desemprego causados na entressafra da mangaba, como ocorre com trabalhadores/as de outras lavouras, através de mobilização na Assembleia Legislativa de Sergipe.
2. Promover fortalecimento e mobilização comunitária, através de sensibilização das Mulheres extrativistas Catadoras de Mangaba.
Resultados
1. Indicação nº 384/2019, em 24/09/19, realizada por parlamentar no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, para proposição à Governadoria da inclusão das Catadoras de Mangaba no “Projeto Mão Amiga”, propondo alteração na Lei 6.697/2009.
2. Mulheres extrativistas Catadoras de Mangaba que compõem a ASCAMAI e demais comunidades mangabeiras em Sergipe mais mobilizadas sobre o tema e para acompanharem as ações de incidência.
Description of preparatory activities
1. Contribuir para a inclusão das Catadoras de Mangaba no “Projeto Mão Amiga” do Governo do Estado de Sergipe (instituído pela Lei 6.697/2009), para mitigar os efeitos do desemprego causados na entressafra da mangaba, como ocorre com trabalhadores/as de outras lavouras, através de mobilização na Assembleia Legislativa de Sergipe.
2. Promover fortalecimento e mobilização comunitária, através de sensibilização das Mulheres extrativistas Catadoras de Mangaba.
Descrição da implementação
1. Indicação nº 384/2019, em 24/09/19, realizada por parlamentar no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, para proposição à Governadoria da inclusão das Catadoras de Mangaba no “Projeto Mão Amiga”, propondo alteração na Lei 6.697/2009.
2. Mulheres extrativistas Catadoras de Mangaba que compõem a ASCAMAI e demais comunidades mangabeiras em Sergipe mais mobilizadas sobre o tema e para acompanharem as ações de incidência.
Description of time investmen
15 dias
Custos
Não quantificado. Despesas de transporte e alimentação para reuniões e visitas de incidência.
Acompanhamento
A ASCAMAI permanece acompanhando algumas ações, dentre as quais destacamos algumas:
Como principal desdobramento, a ASCAMAI acompanha o trâmite da Indicação parlamentar nº 384/2019, na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe.
Além disso, monitora outras demandas que já estavam em andamento junto a órgãos públicos como o Ministério Público Federal, a exemplo do mapeamento de terras de domínio da União que servem como áreas de extrativismo da mangaba.
A ASCAMAI segue participando de atividades de fortalecimento institucional, formação, intercâmbio e visibilidade, como por exemplo, na construção junto a outras organizações do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, com realização prévia de Plenária de Movimentos Sociais e Agroecologia, em Aracaju/Sergipe, em setembro/19; participando de atividades no âmbito da Semana Mundial de Alimentação, em outubro/19. Por fim, em atividades envolvendo processos de comercialização e animação da Rede Solidária de Mulheres de Sergipe.