Resumo
O Coletivo Incomode realizou, em junho de 2019, diversas ações com objetivo de contribuir para enfrentar o genocídio, encarceramento em massa, extermínio e o feminicídio da juventude negra, em especial do território do Subúrbio Ferroviário de Salvador, realizadas em torno do “Dia Municipal Contra o Encarceramento da Juventude Negra” (20 de junho). Foram realizados processos de mobilização, sensibilização, formação, incidência e denúncia, através da II Marcha Incomode e também de Rodas de Diálogo, Oficinas, Saraus e Audiência Pública.
Para atingirem seus objetivos, foi realizada uma série de estratégias e atividades, como: mobilização de parceiros e partes interessadas para planejamento das ações; encontro de mobilização do Coletivo Incomode; reuniões preparatórias para realização das atividades; preparação de materiais de divulgação/mobilização; formação de grupos para estabelecer diálogo com o poder público e reuniões preparatórias para realização da audiência pública.
Durante a II Marcha Incomode, centenas de jovens caminharam do bairro do Lobato até o Parque São Bartolomeu, em 18/06/19, em protesto contra o genocídio e hiperencarceramento da juventude negra da Bahia. A Marcha aconteceu pelo segundo ano consecutivo, levando inúmeras famílias a reclamar os reincidentes casos de homicídios e desaparecimentos de jovens durante as operações policiais realizadas nas comunidades periféricas de Salvador. Na finalização da caminhada, os jovens se reuniram no Parque São Bartolomeu para realizar o Sarau Incomode, com apresentações artísticas dos grupos presentes, com poesia, dança e hip hop. Ressalte-se que uma das ações que impulsionaram a realização das Marchas Incomode foi a participação de jovens do Coletivo no “Curso de Incidência Política”, no ano de 2017, promovido pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) em parceria com Terre des Hommes Schweiz e Terre des Hommes Suisse, no âmbito do Programa Virando o Jogo.
Como resultado da ação, mais de 700 pessoas envolvidas nas atividades, com Marcha, duas rodas de diálogo, seis oficinas e um sarau, com os temas do genocídio da juventude negra, hiperencarceramento e feminicídio; a juventude negra, organizações de juventude e as que desenvolvem trabalho com juventude, em especial do Subúrbio Ferroviário, mais mobilizada e qualificada para contribuir com denúncias e com políticas públicas nas questões pautadas; houve ainda incidência junto aos poderes públicos, com realização de Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, com projeto em trâmite na Assembleia para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que vai investigar o extermínio de jovens negros na Bahia.
Análise de problemas
Segundo o Atlas da Violência 2019, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Bahia é um dos 15 estados brasileiros que apresentam taxas de homicídio de jovens acima da média nacional. Enquanto o Brasil apresenta o índice de 69,9 assassinatos a cada 100 mil jovens, a Bahia registra a taxa de 119,8 homicídios, considerando o mesmo quadro amostral. O estudo também mostra que, em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios no Brasil foram pessoas negras (soma de indivíduos pretos ou pardos, segundo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). De 2007 a 2017, a taxa de homicídio de negros/as cresceu 33,1% no País; a de brancos apresentou crescimento de apenas 3,3%. Jovens e negros são também maioria entre a população carcerária no Brasil, que em 2016 chegou a um total de 726,7 mil, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Mais da metade desse segmento era formado por jovens de 18 a 29 anos e 64% do total eram negros/as. Já segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídios entre 84 nações, com dados alarmantes de uma mulher morta a cada duas horas. Ainda segundo o Atlas da Violência 2019, 66% de todas as mulheres assassinadas no país são negras. Entre 2007 e 2017, a taxa de homicídio de mulheres não negras aumentou em 1,6%, enquanto a taxa de homicídio de negras cresceu 29,9%.
Esses fatos e dados evidenciam os problemas do genocídio, encarceramento em massa, extermínio e o feminicídio da população negra, em especial da juventude, revelando a desigualdade e segregação social e racial históricas no país que atingem a população negra, legado também da instituição da escravidão no Brasil.
Demonstram ainda a dificuldade que o Estado brasileiro tem de garantir a universalidade de suas políticas públicas. O precário acesso a direitos sociais básicos e como de educação, saúde, mobilidade urbana, trabalho, lazer, cultura, é um dos fatores que contribuem para o crescimento da violência, sobretudo a praticada pelo próprio Estado.
Demonstram também que o racismo institucional impõe, sistematicamente, a pobreza como padrão de urbanização das comunidades periféricas e não possibilita oportunidade de acesso igualitário às estruturas de poder e garantia do pleno exercício da cidadania. As desigualdades persistem mesmo com avanço de algumas legislações e de programas, como o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.888/2010), a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) e a mais recente Lei 13.104/2015, que prevê o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e o inclui no rol dos crimes hediondos.
Esse cenário é, ainda, mais preocupante com as recentes proposições legislativas no Brasil que facilitam o acesso e porte de armas, ou a criação de um “pacote anti-crime” que deve agravar a letalidade das polícias no país, impactando de modo mais direto populações mais vulnerabilizadas, como a população negra e de setores populares.
Análise de solução
Há muitos desafios e ações a serem realizadas para enfrentar os problemas do genocídio, encarceramento em massa, extermínio e o feminicídio da população e juventude negra. São necessárias, por exemplo, a elaboração de políticas públicas específicas e efetivação das existentes, como o cumprimento de legislações como o Estatuto da Igualdade Racial, Estatuto da Criança e do Adolescente; ampliação do debate sobre a política de combate a drogas e de segurança pública no país, que criminaliza a população negra, em especial a juventude; ações de mobilização e sensibilização da juventude; monitoramento e levantamento das ações de letalidade que atingem a população negra; aprimoramento dos mecanismos de denúncia e investigação; visibilização de dados sobre genocídio da população e encarceramento, e também estímulo e valorização de ações socioculturais da juventude negra; manutenção e ampliação de ações e políticas reparatórias de equidade e igualdade de oportunidades.
A ação desenvolvida pelo Coletivo Incomode se dirigiu principalmente a atividades de mobilização e sensibilização da juventude, de denúncia e de visibilidade, e de monitoramento de ações de letalidade, com realização de rodas de diálogo, oficinas, marchas e saraus em Salvador/Bahia, envolvendo em especial organizações do Subúrbio Ferroviário de Salvador, bem como incidência no poder legislativo com audiências públicas para criação de comissão parlamentar de investigação de crimes violentos contra a juventude.
Análise das partes interessadas
Quais partes interessadas (ONGs, governo, setor privado) você identificou?
As partes interessadas aliadas são em geral movimentos sociais, organizações e redes da sociedade civil, do movimento popular, entidades do setor público, sendo que alguns desses grupos envolveram-se de forma direta na ação, enquanto outros são aliados potenciais da causa, como veremos:
- Cipó Comunicação Interativa (organização mobilizadora do Projeto Juventude Negra e Participação Política, Movimento de Cultura Popular do Subúrbio Ferroviário, Coletivo Hip Hop do Subúrbio Ferroviário, Movimento dos Sem Teto da Bahia, Organização Pajeú, Fórum de Arte e Cultura do Subúrbio, Associação de Moradores do Conjunto Habitacional Joanes Leste, Marcha do Empoderamento Crespo de Salvador, Associação de Moradores de Plataforma, Rede de Protagonistas em Ação de Itapagipe (Reprotai) Unidade Eu e Eu, Coletivo de Entidades Negras, grupos que colaboraram no processo de articulação, mobilização e organização das atividades.
- Centro Cultural Plataforma, Centro Cultural Alagados, colaborando e cedendo espaço onde foram realizadas algumas atividades de formação.
- Revista Quilombo, colaborando na divulgação de atividades.
- Coletivo Luiza Bairros (que envolve professoras/es, técnicas/os, servidoras/es e estudantes negros/as da Universidade Federal da Bahia), sensibilizado para o tema e participando de rodas de diálogo.
- Defensoria Pública do Estado da Bahia, a partir da Ouvidoria Geral, sensibilizada para o tema e participando de rodas de diálogo.
- Ministério Público sensibilizado para o tema e participando de algumas atividades.
- Parlamentares vinculados às causas de defesa da juventude negra, mobilizados para participação em audiências;
- Comissão da Promoção da Igualdade Racial e Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, sensibilizadas para o tema e recebendo demandas sobre criação de Comissão Parlamentar de Inquérito Estadual para investigar Crimes Violentos Letais Intencionais.
- Organizações da sociedade civil e movimentos sociais que atuam na luta antirracista, em defesa da juventude e de combate à violência contra a mulher; Universidades; identificados como potenciais aliados por serem partes sensibilizadas para mudanças positivas nas condições de atuação da sociedade civil.
- Outros aliados de forma mais ampla da causa, como as organizações que atuam em rede em torno da Agenda Nacional pelo Desencarceramento, exigindo amplo programa popular de desencarceramento e desmilitarização das polícias, da política e da vida.
Quais partes interessadas você identificou como aliadas e como você as mobilizou?
- População em geral e algumas organizações da sociedade civil, em especial do Subúrbio Ferroviário, desconhecem informações ou mecanismos de denúncia sobre genocídio, encarceramento em massa, extermínio e o feminicídio da população e juventude negra. Forma mobilizadas para participação nas marchas, saraus e rodas de diálogo.
- Alguns parlamentares que integram instâncias de debate e/ou definição de políticas públicas, mas que não estão atuando diretamente na defesa de políticas para a juventude negra. Por exemplo, parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia que foram mobilizados com ações de incidência pública, como realização de reuniões, audiências públicas e entrega de documentos requerendo criação, por exemplo, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito Estadual para investigar Crimes Violentos Letais Intencionais.
Quais partes interessadas você identificou como oponentes e por que elas se opuseram?
- Alguns parlamentares do campo conservador, em especial os vinculados a forças de segurança.
- Forças de Segurança Pública do Estado da Bahia, responsáveis por casos de violência institucional contra juventude negra.
- Alguns representantes dos poderes públicos, em especial de forças de segurança pública, que não têm interesse em debater mudanças nas políticas de segurança pública ou de drogas, nem no sistema prisional.
Como você envolveu seus beneficiários na análise das partes interessadas?
A juventude negra foi envolvida nos processos de mobilização social e participação cidadã; entidades e organizações que atuam na luta antirracista e empoderamento juvenil negro, participando da mobilização e das atividades formativas e no dia da Marcha. Dessa forma, o envolvimento se deu de diferentes formas, como no planejamento e organização, em comissões de trabalho de captação de recursos e infraestrutura para a realização das ações; de articulação/mobilização de outras organizações e redes da sociedade civil; participando da Marcha, das Rodas de Diálogo, Sarau, Oficinas de formação e dos espaços de incidência junto ao poder público, como audiências públicas.
Breve descrição da organização que implementou a ação/campanha
O Coletivo Incomode é formado por grupos culturais juvenis, movimentos sociais e lideranças comunitárias atuantes na luta contra o racismo e genocídio da população negra em Salvador, Bahia, se configurando como um espaço de ação coletiva e organização de grupos de juventude, especialmente do Subúrbio Ferroviário, com o objetivo de contribuir no combate e monitoramento de ações de letalidade que atinge a população negra de um modo geral, mas que tem a juventude negra como principal alvo de extermínio. O Coletivo surge também a partir algumas mobilizações da juventude que já eram desenvolvidas no âmbito do “Projeto Juventude Negra e Participação Política”, articulado pela organização CIPÓ – Comunicação Interativa.
Desde então, o Coletivo Incomode atua com ações de mobilização e formação comunitária, como em escolas e espaços públicos, com foco na qualificação da juventude sobre temáticas étnico-raciais, de gênero e segurança pública; elaboração de materiais de comunicação e audiovisuais; e realização de ações de incidência como audiências públicas, para chamar atenção dos poderes públicos sobre casos de violação de direitos da juventude negra e propor políticas públicas. Algumas das principais ações de incidência do Coletivo se relacionam com a contribuição, junto a diversas outras organizações da cidade, para aprovação do Estatuto da Igualdade Racial no município de Salvador; e, atualmente, para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa da Bahia para investigar o extermínio de jovens negros/as.
Action period
Março a junho de 2019
Objetivos
1. Promover a mobilização e fortalecimento da juventude negra e do Coletivo Incomode, através de processos de sensibilização com atividades de formação e sensibilização, com realização de Rodas de Diálogo, Oficinas e Sarau.
2. Contribuir para a denunciar e visibilizar de forma mais ampla a pauta do genocídio da juventude negra, hiperencarceramento e feminicídio, através da Marcha Incomode e outras ações de formação.
3. Colaborar para a criação de uma Comissão Parlamenta de Inquérito Estadual que investigue crimes violentos letais intencionais, através da mobilização com poderes públicos e realização de audiência pública na Assembleia Legislativa.
Resultados
1.1. Juventude negra, em especial do subúrbio, mais mobilizada e qualificada para contribuir com denúncia e com políticas públicas sobre a pauta do encarceramento em massa e luta contra extermínio da juventude negra, bem como sobre feminicídio, ódio religioso e diversidade sexual.
1.2 Ações culturais protagonizadas da juventude negra mais visibilizadas.
2.1 Cerca de 700 pessoas sensibilizadas para os temas do genocídio da juventude negra, hiperencarceramento e feminicídio, em especial que compõem organizações do subúrbio ferroviário, com a realização da Marcha em 28/06/19.
2.2. Mídia jornalística, incluindo veículos da imprensa corporativa (ou mídia convencional) e mídia independente, contemplando pontos-de-vista contrários as temas do genocídio da juventude negra, hiperencarceramento e feminicídio.
3. Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa em 11/06/19, “O preço do seu descaso é a minha vida: do encarceramento em massa da juventude negra”, com encaminhamento de demandas; e projeto em trâmite na Assembleia para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que vai investigar o extermínio de jovens negros na Bahia.
Description of preparatory activities
1. Mobilização de parceiros e partes interessadas para planejamento das ações.
2. Encontro de mobilização do Coletivo Incomode.
3. Reuniões preparatórias para realização da Marcha, Rodas de Diálogo, Oficinas e Sarau.
4. Preparação de materiais de divulgação/mobilização.
5. Formação de grupos para estabelecer diálogo com o poder público (Comissão da Promoção da Igualdade Racial e Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa da Bahia) e reuniões preparatórias para realização da audiência pública.
Descrição da implementação
1. Realização de duas rodas de diálogo, seis oficinas, uma Marcha e um Sarau, com 700 pessoas envolvidas nas atividades, sobre genocídio da juventude negra, hiperencarceramento e feminicídio, bem como de ações culturais protagonizadas da juventude negra.
2. Realização do “Seminário da Simbologia e identidade do Coletivo Incomode! Seguimos nos Aquilombando e em teias!”, em 11/05/19.
3. Distribuição de material de divulgação/mobilização das atividades
4. Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa em 11/06/19, “O preço do seu descaso é a minha vida: do encarceramento em massa da juventude negra.
Description of time investmen
25 dias
Custos
Descrição dos custos em Reais (R$):
Alimentação (lanches e água) – R$ 3.000,00
Transporte – R$ 2.500,00
Material de comunicação – R$ 2.800,00
Material pedagógico/didático – R$ 800,00
Carro de som – 500,00
Total = R$ 9.600,00
Observações:
1. Deve-se considerar que os custos financeiros das despesas listadas acima foram, em realidade, maiores que os indicados, considerando que o Coletivo Incomode obteve outros apoios de parceiros também para algumas das despesas das listadas acima; bem como para outras despesas não financeiras de orgnaizações parceiras (cessão de equipamentos, cessão de espaços para realização de atividades, serviços voluntários ou em parceria de assessores/as, oficineiros/as, fotógrafos etc).
2. Ressalte-se que a equipe de organização e coordenação da ação dedicou muitas horas de trabalho também para planejar, preparar e executar as atividades, realizar contatos com possíveis parceiros, realizar contatos com poder público, dentre outras.
Acompanhamento
Como desdobramento, o Coletivo Incomode está em fase de acompanhamento e mobilização de deputados e parlamentares relativo ao projeto em trâmite na Assembleia Legislativa da Bahia para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que vai investigar o extermínio de jovens negros na Bahia. Isso foi conquistado por meio de ações de incidência política realizadas desde 2016, com quatro audiências públicas (três na Assembleia Legislativa e uma de caráter popular). Para o Coletivo, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito é um dos principais objetivos, pois expões a gravidade dos fatos, aponta responsabilidades e exige um posicionamento do Estado. Até o final de 2019, pretendem realizar campanhas para pressionar os parlamentares para aprovar essa CPI, como fizeram em outras ações, ressaltando a importância e efeitos das ações de incidência para o fortalecimento de direitos da juventude negra do Subúrbio Ferroviário de Salvador.
Também como desdobramento das ações realizadas, outras organizações que atuam com juventude realizaram novos encontros, formações ou audiências com a temática do genocídio da juventude negra. Houve também aumento de participação de grupos juvenis no Coletivo Incomode, que tem atuado também como espaço de acolhimento às mães e vítimas da violência institucional.
Além disso, o Coletivo avalia que a comunidade do Lobato, cujo índice de violência é bastante elevado, estar mais vigilante. Da mesma forma, avaliam que houve também uma mudança no modus operandi dos agentes de segurança pública nas escolas.