Resumo
Entre março e abril de 2020, uma coalizão de organizações e movimentos da sociedade civil pela renda básica realizou ação no sentido de mobilizar a sociedade e parlamentares para a aprovação de uma lei federal de auxílio financeiro emergencial, como medida de enfrentamento à pandemia de Covid-19 no Brasil. Destinada à população de baixa renda, mais vulnerável e com dificuldades de trabalhar durante as medidas de isolamento social, a aprovação da lei também se mostrava importante para evitar a disseminação do coronavírus e o colapso nos serviços de saúde no país. A ação ocorreu através da Campanha Renda Básica que Queremos, lançada em 20 de março, e que ganhou adesão e mobilização de cerca de 160 organizações e movimentos da sociedade civil.
Para atingir seus objetivos, realizaram uma série de estratégias e atividades, como mobilização de organizações da sociedade civil parceiras e de outras partes interessadas para planejamento das ações; preparação de materiais informativos e de mobilização, bem como de ferramentas para coleta de assinaturas em petição online; disseminação da pauta para mídias; ferramenta online de pressão com envio de e-mails a líderes de partidos no Senado Federal; reuniões, contatos e incidência junto a parlamentares, da Câmara dos Deputados e Senado Federal, bem como junto a poderes públicos, tanto para a aprovação como para que o pagamento fosse iniciado com celeridade.
Como resultado, a ação mobilizou e coletou mais de meio milhão de assinaturas na petição online de apoio ao projeto da renda básica; sensibilizou mídia com publicações favoráveis à aprovação do projeto, bem como a sociedade civil em geral através de materiais informativos e inúmeras menções à Campanha nas redes sociais; pressionou parlamentares do Senado com envio de mais de 20 mil e-mails; realizou ainda Audiência Pública no Senado Federal com representantes da Campanha e parlamentares, culminando com a aprovação da Lei Federal 13.982 de 02 de abril de 2020 no Congresso Nacional e sancionada pela Presidência.
Já houve diversas propostas sobre políticas de renda básica ao longo dos anos no Brasil, mas a aprovação no atual contexto, através da forte mobilização da sociedade civil, foi fundamental para alcançar até cerca de 60 milhões de pessoas com um apoio mensal por três meses, a partir de abril/20, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), para enfrentamento das desigualdades e da pobreza, um avanço significativo em relação à proposta inicial do governo de apenas R$ 200,00 (duzentos reais) e que teria menor alcance da população. Essa duração poderá ser ampliada se a emergência de saúde tiver continuidade. Essa importante mobilização, que ganhou apoio de diversos segmentos da sociedade e de parlamentares de diferentes partidos, demonstrou a força das ações articuladas e das múltiplas possiblidades de incidência com diferenciadas estratégias, mesmo em uma conjuntura desafiadora e complexa, seja pela pandemia de Covid-19 e as medidas de distanciamento e isolamento social, seja pela conjuntura política no país, que atravessa uma crise com graves ameaças às instituições democráticas.
Análise de problemas
O Brasil é um país que acumula intensas desigualdades sociais e raciais históricas, o que impacta o acesso a diversas políticas públicas como a exemplo de saúde, educação, trabalho. Diante disso, o país foi o primeiro a ter uma renda básica universal prevista em legislação (lei 10.835/2004), porém nunca regulamentada, apesar da implementação de políticas de transferência de renda. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados divulgados em 2019, estima 13,5 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil, atingindo mais pessoas negras e mulheres, e cerca de 38 milhões que trabalham em situação de informalidade, o maior patamar desde 2016.
Diante da situação da pandemia Covid-19 que assola o mundo em 2020, o Brasil tem sido fortemente atingido, ampliando as desigualdades existentes e impactando grupos e populações que já enfrentam as desigualdades socioeconômicas e raciais e que vivem em constante vulnerabilidade. Em março, os dados apontavam para mais de 5 mil casos e 200 mortes. Em menos de três meses, o Brasil atingiu em junho mais de 1 milhão de casos confirmados e quase 50 mil mortes (dados do Ministério da Saúde e do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de saúde).
As medidas de isolamento social durante a pandemia, necessárias para diminuir o ritmo do contágio e evitar o colapso do sistema e serviços de saúde, impactam também o sustento de diversas famílias de baixa renda, em especial de trabalhadores e trabalhadoras informais, no que destacamos também as famílias chefiadas por mulheres. Dessa forma, o problema envolve a negação de direitos básicos, onde o acesso aos serviços de saúde e saneamento e à garantia do direito à alimentação e segurança alimentar são seriamente comprometidos para essa população.
Destaque-se que recursos destinados à garantia de alguns direitos básicos como à saúde, assistência social e saneamento já estavam, mesmo antes da pandemia, sendo ameaçados e alvo de políticas de desinvestimento de recursos públicos, como no caso da Emenda Constitucional nº 95, que institui um novo regime fiscal em prol de um suposto crescimento econômico sem políticas de equidade social. Além disso, a conjuntura política no país de crise política e graves ameaças às instituições democráticas torna o problema ainda mais desafiador.
Análise de solução
O desafio a enfrentar, nessa situação de ameaça de direitos básicos durante a pandemia de Covid-19 e já bastante impactados antes, e ainda com uma política nacional desfavorável, perpassa por realizar ações como, por exemplo, elaboração e aprovação de políticas e normativas protetivas para a população de baixa renda e grupos vulneráveis como trabalhadores e trabalhadoras informais e outros segmentos, como enfrentamento ao desemprego; medidas que envolvam destinação de maior volume de recursos ao sistema de saúde público; medidas que protejam mulheres e meninas de situações de violência durante o isolamento social; ações informativas para a população e de acesso a políticas públicas, dentre outras.
Para enfrentar o problema, a ação desenvolvida pela coalizão de organizações e movimentos da sociedade civil pela renda básica focou especialmente na realização de uma campanha de mobilização sobre uma política de auxílio financeiro emergencial, através da aprovação de uma legislação federal. A ação da Campanha envolveu atividades como mobilização de organizações da sociedade civil, preparação de materiais informativos e de mobilização, sensibilização de mídia e da sociedade em geral, coleta de assinaturas virtuais em uma petição online, incidência junto a parlamentares e poderes públicos. Essa ação foi muito importante para evitar a disseminação do coronavírus e o colapso nos serviços de saúde no país, permitindo que a população de baixa renda, em especial trabalhadoras e trabalhadoras informais, pudesse ter algum recurso para o sustento de suas famílias e permanecer em casa durante o isolamento social, bem como ter acesso a itens de higiene e prevenção, diminuindo ainda o contágio.
Análise das partes interessadas
Quais partes interessadas (ONGs, governo, setor privado) você identificou?
As partes interessadas aliadas são em geral organizações e redes da sociedade civil, do movimento popular, organizações religiosas e ecumênicas, sindicatos, entidades do setor público, parlamentares, sendo que alguns desses grupos envolveram-se de forma direta na ação, enquanto outros são aliados potenciais da causa, como veremos:
- INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos, Rede Brasileira de Renda Básica, Coalizão Negra por Direitos, Nossas, Instituto Ethos, que lançaram inicialmente a Campanha Renda Básica que Queremos.
- Cerca de 160 organizações e movimentos que aderiram à Campanha, que podem ser identificadas na página https://www.rendabasica.org.br, e se envolveram disseminando a Campanha e realizando ações de incidência, sendo também agentes de influência junto a outras organizações, imprensa e parlamentares.
Dentre essas organizações, temos, por exemplo, INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos, Coalizão Negra por Direitos, Articulação de Mulheres Brasileiras, Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns , Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil , Rede Brasileira de Renda Básica, Ação Educativa, Fórum Ecumênico Brasil, Terra de Direitos, Geledés Instituto da Mulher Negra, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, dentre outras.
- Parlamentares vinculados à causa do enfrentamento de desigualdades socioeconômicas durante a pandemia de Covid-19, que apoiaram a aprovação do projeto.
- Especialistas de diversos campos de atuação, em especial da economia, que forneceram subsídios para as fundamentações ao projeto.
- Organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), que defendem ideia de criação de uma renda mínima durante a pandemia de Covid-19 na perspectiva de direitos humanos e também de estabilidade social, para populações mais vulneráveis, com destaque para trabalhadores e trabalhadoras informais.
Quais partes interessadas você identificou como aliadas e como você as mobilizou?
- População em geral e algumas organizações que desconhecem o direito à renda básica, mobilizadas em especial através do chamamento para assinarem a petição online e acessarem os materiais informativos;
- Alguns parlamentares que, embora não sejam vinculados ao campo popular, seriam sensíveis a políticas de apoio à população mais pobre durante a pandemia de Covid-19, mobilizados através de contatos e reuniões.
- Veículos da imprensa, enviando releases e fazendo contatos.
Quais partes interessadas você identificou como oponentes e por que elas se opuseram?
- Setores do Governo Federal, que anunciou proposta no valor R$ 200,00 (duzentos reais) mensais para trabalhadores/as informais e autônomos/as durante três meses.
- Alguns parlamentares do campo governista, conservador e ligados a setores privados, que defendem as políticas de ajuste fiscal.
- Alguns representantes de setores privados que são violadores de direitos, que não têm interesse em políticas de distribuição de renda.
Como você envolveu seus beneficiários na análise das partes interessadas?
O envolvimento se deu de diferentes formas, como em ações preparatórias; em atividades para mobilização de outras organizações; na participação em ações de incidência junto a parlamentares, da Câmara dos Deputados e Senado Federal, bem como junto a poderes públicos; na elaboração e disseminação de materiais de comunicação; bem como divulgando e assinando a petição online da Campanha e pressionando parlamentares do Senado através do envio de e-mails.
Breve descrição da organização que implementou a ação/campanha
A Campanha Renda Básica que Queremos foi implementada através de uma coalizão de organizações e movimentos da sociedade civil pela renda básica. Não se trata de uma rede permanente, mas sim de uma iniciativa articulada entre várias organizações com vistas a incidir em uma causa comum. A ação envolveu cerca de 160 organizações e movimentos que aderiram à Campanha, que podem ser identificadas na página https://www.rendabasica.org.br, sendo importante ressaltar a diversidade de organizações, movimentos, redes e fóruns envolvidos na ação, como de defesa dos direitos das mulheres, da população negra, da população em situação de rua, da população quilombola, da juventude, da população LGBTQI+, de defesa do direito à educação, do direito à cidade e à moradia, dos direitos humanos e da democracia, bem como organizações ecumênicas e de liberdade religiosa, organizações profissionais e sindicatos.
Action period
Março a abril de 2020
Objetivos
1. Contribuir para a aprovação do projeto de lei 873/2020 da renda básica emergencial, através da mobilização da sociedade civil e de parlamentares no Congresso Nacional.
2. Colaborar para a mobilização da sociedade para aprovação da renda básica emergencial através da coleta de assinaturas em petição online e do envio de e-mails de pressão a parlamentares, no âmbito da Campanha Renda Básica que Queremos, promovida por uma coalizão envolvendo cerca de 160 organizações.
3. Contribuir para acesso à informação e visibilização da pauta da renda básica emergencial e sua relevância para o combate de desigualdades socioeconômicas durante a pandemia de Covid-19, através de materiais como cartilhas, cartazes e banners virtuais, textos, dentre outros.
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Resultados
1.1. Proposta de projeto apresentado e Lei 13.982 de 02 de abril de 2020 aprovada no Congresso Nacional e sancionada pela Presidência.
1.2. Audiência Pública realizada no Senado Federal em março de 2020, com presença de parlamentares e representantes de movimentos e organizações da Campanha Renda Básica que Queremos.
2.1. Ampliação do apoio ao projeto da renda básica emergencial com a coleta de mais de meio milhão de assinaturas em cinco dias, em petição online, através da Campanha Renda Básica que Queremos, e com envio de mais de 20 mil e-mails a parlamentares líderes dos partidos no Senado Federal.
3. Sociedade civil em geral mais informada sobre a renda básica emergencial e mídia jornalística e das redes de defesa de direitos contemplando pontos-de-vista favoráveis à normatização da renda básica emergencial no Brasil.
Description of preparatory activities
Mobilização de organizações da sociedade civil parceiras e de outras partes interessadas para planejamento das ações da Campanha Renda Básica que Queremos.
Preparação de materiais informativos e de mobilização.
Preparação de materiais e ferramentas tecnológicas para coleta de assinaturas da petição online da Campanha Renda Básica que Queremos.
Preparação de materiais e ferramentas tecnológicas para o envio de e-mails diretamente a parlamentares do Senado como forma de pressão.
Disseminação da pauta para os principais veículos de mídia tradicionais no país e também mídias alternativas e populares.
Reuniões, contatos e incidência junto a parlamentares, da Câmara dos Deputados e Senado Federal, bem como junto a poderes públicos, sobre o projeto de lei da renda básica emergencial.
Descrição da implementação
Divulgação de materiais informativos e de mobilização da Campanha Renda Básica que Queremos (cartazes, banners virtuais, cartilha).
Ação de membros participantes das organizações da coalizão para mobilizar sociedade na coleta de assinaturas da petição online da Campanha Renda Básica que Queremos.
Ação de membros participantes das organizações da coalizão para mobilizar sociedade para envio de e-mails diretamente aos líderes do Senado.
Cobertura de ações da Campanha por veículos da mídia convencional e das redes de comunicação do campo de direitos humanos, em especial relativas ao projeto de lei da renda básica emergencial.
Audiência Pública virtual realizada no Senado Federal em 26 de março de 2020, com presença de parlamentares e de representantes de movimentos e organizações da Campanha Renda Básica que Queremos.
Aprovação da Lei 13.982 de 02 de abril de 2020 no Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República.
Description of time investmen
30 dias
Acompanhamento
A experiência realizada continua ganhando amplitude. Já houve diversas propostas sobre políticas de renda básica o longo dos anos no Brasil, mas a aprovação no atual contexto, através da mobilização da sociedade civil, foi fundamental para alcançar até cerca de 60 milhões de pessoas com um apoio mensal, por três meses, a partir de abril/20, do valor de R$ 600,00 para enfrentamento das desigualdades e da pobreza, um avanço em relação à indicação do governo de R$ 200,00. Essa importante mobilização, que ganhou apoio de diversos segmentos da sociedade e de parlamentares de diferentes partidos, demonstrou a força das ações articuladas e das múltiplas possiblidades de incidência com diferenciadas estratégias, mesmo em uma conjuntura desafiadora e complexa, seja pela pandemia de Covid-19 e as medidas de distanciamento e isolamento social, seja pela conjuntura política no país.
Como desdobramento mais imediato, após a provação da legislação, houve continuidade da mobilização e incidência para que o pagamento fosse iniciado com celeridade. A hashtag #PagaLogoBolsonaro chegou a ficar entre as mais usadas no Brasil e no mundo. Também passaram a tramitar no Congresso ou serem debatidos outros projetos de lei sobre a extensão do período de três meses e do aumento do valor; bem como propostas de se tornar uma renda básica de cidadania permanente.
Importante destacar ainda como desdobramento o início da fase 2 da Campanha, em junho de 2020, diante da ameaça de descontinuidade do auxílio, com o anúncio da Presidência de que pretende reduzir o valor e estender a duração apenas até agosto, com novas ações de pressão no Congresso e de comunicação, disponíveis no site da Campanha.
Outra importante iniciativa que teve seguimento nesse período é a proposta de taxação de grandes fortunas, que está sendo abordada por várias das organizações envolvidas na iniciativa da renda básica. A proposta ganhou novamente força durante a pandemia em especial desde abril, através de uma campanha em defesa da taxação de grandes fortunas como enfrentamento da pandemia do coronavírus e das desigualdades sociais, envolvendo movimentos sociais, sindicatos e apoiada por alguns parlamentares. Naquele momento existiram quatro projetos de lei tramitando no Senado Federal para a criação do tributo para os mais ricos, previsto na Constituição Federal do Brasil, porém nunca regulamentado.